Nina Simone - Spring is here

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Volto ao que fomos um dia


Volto agora, e nomeio-me outra, nova, livre de tudo que é teu, para finalmente deitar-me de novo a teu lado. Alva e leve, a esperar que me invadas todas as frestas. Volto. Volto ao que não era, ao que foi um dia o horizonte. E reivindico-me ao tempo, eu, feita de mim mesma. Torno-me louca e santa, cega, oca, tomo-me de volta. Ressuscitada e renascida, para ser uma de mim que não te conhece, uma de mim onde os teus pés não pisaram, uma de mim que não conheceu a tua língua de prata, que não sabe de cór a côr dos teus olhos cheios de noite, da dor da tua casa incendiada, do teu peito emborcado, da solidão que anda pela tua pele.
Volto onde começou tudo, onde as lembranças ainda ardem, onde o escuro permeia todos os instantes do dia, para poder ver-te antes ainda de existires dentro dos meus olhos, para poder saber-te, ainda, antes de saber da minha chegada, antes de me dares um nome. Um corpo nascido das tuas mãos, antes que eu viva impregnada disso tudo, de nós.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

nua e crua

A melhor forma de amar é nua. Despida de escudos, armas, artifícios, medos, inseguranças ou receios.
A melhor forma de amor é amar e ser amado em nudez.
É raro, mas é possível encontrar um amor assim. Um amor que não precisa de roupas para aconchegar o coração. Nem capas para o proteger.
Pois a melhor forma de amar é assim: nua e crua.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Infinito

Que a covardia não me amarre os braços, não me trave a língua, não me faça engolir os beijos que estão pousados nos meus lábios. Que a covardia não me vende os olhos, não espalhe monstros, não me sussurre medos. Que a covardia não me descubra pequena e frágil numa caixa de segredos. Que a covardia não me pregue peças, não me tire o nome, não me mate de fome à beira da mesa posta. Que a covardia não encrave as frases na garganta. Que eu seja forte e alta, que eu descubra asas e que ouse usá-las. Que eu esqueça os fundos, os absurdos, os (des) mundos e faça de mim mesma a flor na água, a prece clara, o céu limpo.
Que eu seja capaz de querer alcançar o infinito.

E um dia esquece-se

E há, então, um lugar para onde vão os sonhos em que deixamos de acreditar, onde moram os anéis que perdemos, os brincos sem par, as meias descasadas, o baton que a bolsa engoliu.
Há um lugar, um sumidouro, para onde são tragados os sorrisos que não voltam, o cheiro do cabelo, um colarinho manchado, o perfume na manga do vestido, o nome dele num bilhete, um gosto de vinho colado à língua.
Ficam lá, suspensos numa órbita improvável e inacessível, ao som de três ou quatro frases para sempre repetidas, que procuramos esquecer. E um dia esquecemos.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Olhos esquecidos

Esqueço teus olhos. Esqueço tua pele. Esqueço o cheiro que só existe em certas partes do teu corpo. Esqueço-me de mim também, e muito. Morro, por vezes. Então escrevo para contar àquela de mim do que me compus. E escrevo de novo para lembrar a ti do que me fizeste.

É estranho que o mundo silencie, breve e triste, e que na minha boca fechada as palavras batam asas, angústia de dizer, e o corpo se agite, animal faminto. Tu permaneces, acima das horas e sobre os dias, como se horas e dias não houvesse, como se o tempo fosse um besouro preso nos meus cabelos e os teus dedos fossem a sua improvável salvação. Não me comove a chuva, ou a beleza do silêncio. Sou toda eu, um esgar contido, um pequeno frêmito da superfície onde nas profundezas desmoronam cada um dos meus degraus.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

No ínicio

No começo pensamos estar a salvo, avançamos com cuidado, saíremos incólumes, ou,  na pior sortes, ser-nos-á doce a morte, em caso de algum revés.
Depois, resignados, cientes dos possíveis estragos, mantemos os olhos apertados: Que seja o que deus quiser!
Por isso cada vez é um susto, por isso cada vez se faz silêncio, por isso há sempre um pequeno luto, em honra de nossa falta de senso.
Abrindo um vão, ou escancarando as portas. A intromissão é total, é completa.
Daí por diante nenhuma estante, a salvo da desordem. Nenhuma cortina, que não possa ser aberta.
Sim, sou um mamífero. Mas quem me dera ter conservado o meu lado predatório, que me faria tê-lo atacado e comido ali mesmo.

À procura de mim

Ando a pensar deitar-me fora. pegar em mim e sacudir-me até partir. Partir-me de propósito. Embrulhar os cacos e arrumar-me no fundo da cave. seria bom não precisar de mim por uns tempos!
Sei que devo encontrar-me antes de me deitar fora. parece-me lógico.
Se me conseguir encontrar, e é provável que leve algum tempo, não pretendo condenar-me. condenar-me a mim própria é inútil, o absolutamente eu não se altera.
Se um dia eu pensar que morri por me ter deitado fora, quando morrer de facto, ninguém vai reparar, não haverá notícia. e isso tranquiliza-me.
Deitar-me fora. porque não sou capaz de contemplar o que temo, nem aceitar o que me dá prazer mas que não presta.

O Brilho da Sombra

A minha foto
“Estou certo de que estive aqui, como estou agora, mil vezes antes e espero retornar mil vezes... A alma do homem é como a água; vem do Céu e sobe para o Céu, para depois voltar à Terra, em um eterno ir e vir.” - Goethe -

Outras Sombras